Os desafios da indústria alimentar em Portugal
A indústria alimentar em Portugal enfrenta inúmeros desafios em várias áreas, como é o caso dos relacionados com a redução de custos e preços, a solidez dos balanços, a inovação, a sustentabilidade ambiental e a transparência na segurança alimentar.
Os profissionais do setor estão perante uma verdadeira quadratura do círculo: os clientes querem gastar menos, mas também querem alimentos de melhor qualidade, respeitando o meio ambiente e sem deixar de ter acesso a sabores internacionais e inovadores. Tudo isto num contexto de enorme instabilidade e incerteza quanto ao futuro.
Apesar dos desafios, o caminho pode ser facilitado se os empresários do setor estiverem atentos aos sinais do mercado, antecipando mudanças de contexto e novas tendências e respondendo às necessidades dos clientes, ao mesmo tempo que adaptam o negócio para o proteger o melhor possível do embate dos momentos de crise.
As empresas do setor precisam de estar abertas a ouvir os consumidores e a aproveitar o enorme potencial das tecnologias emergentes. O sucesso passa por compreender de forma profunda a forma como os clientes estão a consumir. Ajustar os preços sempre que necessário e adaptar a oferta face às flutuações do mercado tem sido uma solução de curto prazo, mas a sustentabilidade do negócio vem do conhecimento do setor e da antecipação.
Redução de custos
Desde os conflitos que afetam a estabilidade e a economia, à inflação prolongada, passando pelo aumento das prestações da casa (fruto do aumento das taxas de juro), e das rendas, são muitas as condicionantes que estão a provocar alterações nos hábitos dos consumidores.
De acordo o ranking anual da consultora “Innova Market Insights” (IMS), a redefinição de valor lidera as tendências de inovação que estão a impactar as marcas de produtos alimentares em 2023. Este estudo refere que uma das estratégias usadas pelos consumidores tem sido a de “cozinhar do zero”, com produtos mais acessíveis e menor desperdício.
Tendências como o pão caseiro – que virou moda no tempo da pandemia – ou o almoço que se leva de casa para o trabalho – normalizada nos tempos da Troika – são exemplos de mudanças dos consumidores no sentido de aliar a alimentação saudável à poupança, que obrigam a indústria alimentar a reagir.
Tendo em conta que os consumidores são cada vez mais exigentes, o setor tem de incorporar na sua estratégia as atuais preocupações das pessoas, que vão hoje claramente além da procura por uma redução de gastos.
Saúde e transparência
Nunca como hoje os consumidores estiveram tão atentos ao valor nutricional dos alimentos e empenhados na busca de formas de manter uma dieta saudável. Basta ver que são vários os estudos que dão conta de que os produtos frescos, de preferência de produção local, são o principal bem alimentar pelo qual os consumidores estão dispostos a pagar. É, de uma forma geral, crescente a procura dos consumidores por alimentos naturais, simples e nutritivos.
Isto significa que a oferta terá cada vez mais de ter em conta o impacto de produtos na saúde e no bem-estar, da mesma forma que deve existir igualmente uma aposta na divulgação de informação completa e clara sobre o que se está a comercializar. Exemplo destas novas tendências é o facto de os consumidores recorrerem cada vez mais ao “nutricional score” como ferramenta que os ajuda a fazer as escolhas que consideram mais adequadas.
Marcas que sejam transparentes na divulgação de informação e que, portanto, ajudem no processo de decisão, vão beneficiar da confiança do mercado.
A transformação digital e o futuro
A adaptação das empresas ao mundo digital e a automatização de alguns processos é um dos aspetos chave para a competitividade e sucesso empresarial. Há que ter atenção às oportunidades e avanços digitais em cada micro setor.
E se várias empresas já estão a implementar soluções tecnológicas que permitem automatizar processos e melhorar a qualidade alimentar, esta é uma área que ainda tem muito para crescer. Não só porque ainda há muitos atores do setor que ainda não tiraram total partido da inovação tecnológica existente como porque esta está em constante alteração e acréscimo de sofisticação.
Depois, a revolução tecnológica a que temos vindo a assistir tem impacto não apenas na eficiência da indústria, como veio alterar a forma como as marcas se posicionam no mercado e são vistas pelos consumidores.
É fundamental, por exemplo, que a indústria esteja ciente de que o principal influenciador das escolhas dos consumidores são os demais consumidores, assim como os influencers, dentro e fora das redes sociais.
Os nativos digitais definem o que os mercados vão ser. Para estas gerações, a alimentação é um estilo de vida que reflete as suas crenças e valores. Por isso, querem marcas em quem confiem e com as quais se identifiquem. Essa identificação está predominantemente associada a causas como a igualdade de direitos e oportunidades, a sustentabilidade e o combate ao desperdício.
Sustentabilidade ambiental
Apesar da volatilidade política e económica estar hoje entre as principais preocupações dos consumidores, a questão ambiental mantém-se no radar da opinião pública e, portanto, continua a influenciar – e influenciará cada vez mais – as decisões de compra.
Os consumidores estão a ser consequentes, apresentando um racional ecológico na altura de escolherem os produtos, privilegiando crescentemente os que apostam na redução do desperdício, em embalagens recicladas e recicláveis e valorizando as marcas que são amigas do ambiente. Assim, torna-se claro que uma das respostas a este desafio passa por ter na ordem do dia estratégias que combinem benefícios económicos com sustentabilidade ambiental e saúde.
Acresce que medidas que contribuam, por exemplo, para uma redução do desperdício – seja de água, energia ou matéria-prima – serão, em simultâneo, benéficas para a redução da pegada ambiental e para a imagem do setor e, ao mesmo tempo, promotoras de uma produção com menores custos.
Mão-de-obra precisa-se
Existe um ‘calcanhar de Aquiles’, não exclusivo de Portugal, que se chama escassez de mão de obra. Este é um problema a que a indústria alimentar não pode fechar os olhos, já que os recursos humanos são, é sabido, fundamentais para o sucesso de uma empresa e para a qualidade do que é produzido e dos serviços prestados.
No entanto, vai sendo crescentemente mais difícil contratar trabalhadores e, depois, mantê-los, com todos os custos que estão associados a reiniciar processos de recrutamento e treino de pessoas.
A aposta na formação dos funcionários, em ordenados mais competitivos ou em regalias como seguros de saúde são, na maior parte das vezes, o melhor dos investimentos.
Apesar dos desafios, a indústria alimentar portuguesa tem razões para estar satisfeita. Depois de um ano particularmente difícil – o de 2020 – em que houve uma queda superior a 3% no volume de negócios, em resultado da pandemia, o setor cresceu perto de 10% em 2021 e mais de 26,5% em 2022. Os dados do Banco de Portugal, relativos ao ano que passou, dão ainda nota de que foi nos produtos à base de carne e nos de padaria que se registaram alguns dos maiores crescimentos.
No entanto, os dados desta instituição quanto ao rácio de autonomia financeira (quociente entre o capital próprio e o ativo) mostram que houve uma redução, ainda que ligeira, deste rácio que mede a maior ou menor capacidade das empresas de fazer face aos seus compromissos financeiros com os seus capitais próprios (e não com dívida, por exemplo).
Num mundo tão volátil e incerto, o segredo do sucesso pode estar na conciliação entre a aposta na expansão e aumento das receitas e a garantia de que o crescimento é sustentável. Estes dois fatores, se conciliados, vão permitir que as empresas sejam capazes de crescer, mesmo em contexto crise, ao mesmo tempo que se mantêm sólidas e capazes de resistir aos maus momentos.