O impacto da guerra no setor energético: quais os desafios para este setor?
Foi há já mais de dois meses que, a 24 de fevereiro deste ano, o mundo assistiu ao início de uma guerra mesmo à entrada da Europa, com a invasão da Ucrânia por parte da Rússia.
Sendo certo que a prioridade absoluta neste momento está em gerir a trágica crise humanitária que esta guerra está a provocar, há efeitos na economia mundial que, ainda secundários, serão consideráveis.
Um dos setores económicos que mais está a sentir o impacto do conflito é, como não podia deixar de ser, o energético, com efeitos indiretos numa alargada gama de outros setores que dele dependem. De uma forma ou de outra, o mundo será muito afetado por este conflito, maioritariamente por via da forte subida dos preços energéticos.
Numa comunicação recente, o Banco Mundial veio avisar que os preços da energia deverão subir mais de 50% em 2022 e o ajuste em baixa só conseguirá ser feito durante os anos de 2023 e 2024. Com a ressalva de que qualquer previsão feita agora assenta numa enorme incógnita relacionada não só quanto a qual será a duração desta guerra, como quanto a potenciais ganhos de escala se a mesma se vier a alastrar para outras geografias. Em setores como a agricultura e a metalurgia, a subida de preços rondará os 20% este ano, em parte por efeito indireto do aumento dos preços da energia, assim como porque tanto a Rússia como a Ucrânia são grandes produtores de bens alimentares, nomeadamente de cereais. O Banco Mundial espera, de resto, que os preços das matérias-primas, como a energia ou os alimentos, se mantenham historicamente elevados até 2024.
Uma crise energética que não começou agora
O conflito armado que se vive no leste da Europa veio agravar um cenário que já não era famoso. A crise energética começou antes, com o preço do gás a atingir valores recordes nos últimos tempos, e os analistas a antever a possibilidade de um drástico agravamento dos preços. O Goldman Sachs dizia ainda em janeiro que as economias teriam de se preparar para preços a atingir o dobro do normal durante os próximos anos.
Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, no final de fevereiro, as previsões foram forçosamente alteradas, para muito pior. Com a pressão sobre os preços virá uma outra, sobre a rentabilidade do setor energético.
Este contexto leva-nos para outro tema que agora está a ser corrigido ‘à força’. É verdade que há riscos inerentes à globalização, que fazem hoje com que os efeitos nocivos de acontecimentos como este – a guerra – alastrem a todo o mundo de forma muito mais drástica e veloz. Mas, quando falamos de fornecedores como a Rússia, com regimes políticos longe de poderem ser considerados democráticos, é não só a independência, mas também a segurança energética que está em causa.
A independência vem de se poder ter fontes de energia nacionais ou locais, por exemplo. A segurança energética consegue-se quando não se depende, em grande escala, de um só país ou países para o fornecimento de energia, sobretudo se são países dos quais nunca sabemos exatamente o que esperar, ou seja, que estão longe de ser parceiros fiáveis.
Ora, a realidade que temos está longe de ser a desejável no momento em que um país com o poder e postura bélica da Rússia é um dos grandes fornecedores de gás à Europa. Quase metade do gás natural que a União Europeia importa vem da Rússia, seguido da Noruega e da Argélia. E a oferta interna da União Europeia desta matéria-prima satisfaz apenas 10% da sua procura total.
Chegados a este conflito armado e com a necessidade de, ao mesmo tempo, punir a Rússia pela sua atuação, os países europeus viram-se para os EUA, por exemplo, em busca de alternativas e de opções mais seguras, numa verdadeira corrida contra o tempo. A diversificação do fornecimento de energia tornou-se numa verdadeira emergência.
A guerra enquanto impulsionadora da transição energética
Tal como noutros momentos difíceis da História se conseguiu, apesar de todo o mal, retirar algo de bom e evoluir, também aqui pode dar-se o caso de, desta terrível tragédia, sair uma aceleração do recurso a energias limpas para satisfazer as necessidades de pessoas e empresas na União Europeia.
Se a atual guerra na Ucrânia é uma forte condicionante neste momento para o setor energético, a crise climática é outra, bem mais estrutural. E os mais otimistas esperam que a crise energética impulsione o reforço do uso das energias renováveis.
É verdade que tem sido percorrido caminho, mas é preciso tempo e, sobretudo, vontade política para que as coisas acelerem. A União Europeia, recorde-se, tem vindo a reduzir a sua dependência do carvão, tendo por meta reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 55% até 2030 e chegar à neutralidade de carbono até 2050.
O papel dos governos é crucial e está longe de ser uma missão que todos abracem com grande vontade. A começar porque o lobby dos fornecedores de energia é muito forte. E também porque os seus eleitorados têm outras preocupações mais prementes e com maior peso nos orçamentos de famílias e empresas, como é o caso do custo do imobiliário.
Depois, o tempo da política não se coaduna muitas vezes com o tempo que estes processos demoram a acontecer. Algumas alterações para energias menos ou nada poluentes têm efeitos benéficos a longo prazo, mas podem, no curto prazo, pressionar os preços da energia, o que nunca será popular.
Entre o embate da guerra e a pressão climática, estes prometem ser tempos definidores e históricos para o futuro do setor energético mundial.