Contabilização das gratificações de balanço e seus efeitos fiscais e contributivos
Saiba como fazer a contabilização das gratificações, aproveitar benefícios fiscais e evitar erros na gestão empresarial.
Com o aumento da inflação, as empresas têm atribuído benefícios como as gratificações de balanço para compensar os colaboradores pela perda de poder de compra. Saiba tudo sobre a contabilização das gratificações e aproveite as vantagens fiscais do Orçamento de Estado de 2024.
- Descubra as condições para isenção de IRS até € 4.100 para gratificações de balanço em 2024;
- Entenda o registo contábil e a contabilização das gratificações, desde a constituição da obrigação até ao pagamento.
Com o aumento da inflação, as empresas têm procurado formas de compensar os seus colaboradores pela perda de poder de compra. Uma das estratégias adotadas é a atribuição de gratificações de balanço. Neste artigo, vamos explorar em detalhe como contabilizar estas gratificações e como tirar partido das vantagens fiscais previstas no Orçamento de Estado de 2024.
CONTEÚDO DO POST
Benefícios excecionais para os colaboradores
Com vista a compensar os colaboradores pela perda de poder de compra, várias têm sido as notícias da atribuição, por partes das empresas, de benefícios excecionais aos seus empregados.
Tais benefícios incluem as gratificações de balanço. Estas consistem na decisão da Assembleia Geral das sociedades em atribuir, aos empregados (incluindo os gerentes ou administradores), parte dos resultados positivos apurados pelas empresas e disponíveis para distribuição.
O governo também consagrou um benefício excecional no Orçamento de Estado para 2024, através do seu artigo 236.º. Este permite isentar em IRS as gratificações de balanço correspondente a uma remuneração fixa mensal, com o limite de 4.100 € (5 x RMMG de 820 €), desde que a valorização nominal das remunerações fixas dos trabalhadores em 2024 seja igual ou superior a 5%.
Normas contabilísticas aplicáveis
Os resultados podem ser os apurados no exercício, ou os retidos de exercícios anteriores e que se encontrem disponíveis para distribuição em reservas ou em resultados transitados.
Do ponto de vista contabilístico, a contabilização das gratificações deve seguir normativos aplicáveis, atendendo à dimensão das empresas. Independentemente de serem microentidades, pequenas entidades ou entidades sujeitas ao regime geral do SNC, os benefícios dos empregados são tratados da mesma forma.
Uma entidade deve reconhecer o custo esperado dos pagamentos de participação nos lucros e gratificações quando, e só quando:
- A entidade tenha uma obrigação presente de fazer tais pagamentos em consequência de acontecimentos passados;
- Possa ser feita uma estimativa fiável da obrigação.
Uma obrigação por participação nos lucros e gratificações resulta do serviço dos empregados e não de uma transação com os proprietários da entidade. Por conseguinte, uma entidade reconhece o custo por essa participação nos lucros e gratificações não como uma distribuição do lucro líquido, mas como um gasto.
Assim, será necessário constituir a obrigação construtiva para a empresa, por exemplo, por decisão da gerência. Essa decisão deverá ser confirmada na Assembleia Geral de deliberação sobre a aplicação dos resultados do período ou de reservas de períodos anteriores. Dessa forma, será considerada gasto no período a que os resultados digam respeito, e não somente no ano seguinte, com a deliberação da Assembleia Geral de aprovação das contas.
Registo contábil das gratificações
Para feitos de registo, a contabilização das gratificações exige que, com a decisão que gera a obrigação construtiva, a empresa proceda ao reconhecimento da obrigação no passivo, como acréscimo de gastos, pela melhor estimativa, e o correspondente gasto no período.
No ano seguinte, este processo inclui o registo em dívidas ao pessoal por regularização dos acréscimos de gasto e, com o pagamento, a extinção da obrigação, ou seja:
- Reconhecimento da obrigação (ano de constituição):
- D 63 – Gastos com o pessoal
- C 27.2.2 – Credores por acréscimos de gastos
- Processamento da obrigação:
- D 27.2.2 – Credores por acréscimos de gastos
- C 23.1 – Remunerações a pagar
- Pagamento:
- D 23.1 – Remunerações a pagar
- C 12 – Depósitos à ordem
PARTILHAR! A contabilização das gratificações de balanço é estratégica para empresas e trabalhadores. Aprenda como realizar corretamente o processo!
Efeitos fiscais em sede de IRC
A contabilização das gratificações e os gastos relativos à participação nos lucros por membros de órgãos sociais e trabalhadores da empresa são considerados gastos do período para efeitos de IRC. Isso ocorre desde que as respetivas importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do período de tributação seguinte.
Para este caso, não se aplica o conceito de generalidade dos trabalhadores, ou seja, não é obrigatório que a atribuição seja efetuada de igual forma por todos os colaboradores. No entanto, deverá existir um plano formal de distribuição da participação nos lucros.
O pagamento poderá ser efetuado de uma só vez, ou de forma faseada ao longo do ano.
Caso se trate de gastos relativos à participação nos lucros por membros de órgãos sociais, é necessário avaliar a participação no capital social. Quando os beneficiários forem titulares, direta ou indiretamente, de partes representativas de pelo menos 1% do capital social, só será aceite como gasto a quantia limitada.
Essa quantia não pode exceder o dobro da remuneração mensal auferida no período de tributação correspondente. O cálculo é realizado com base na fórmula: Rendimento Anual/12 x 2.
Exemplo prático e implicações fiscais
Foi decidido pela Gerência, em 15/12/2023, a atribuição de gratificações de balanço aos órgãos sociais e ao restante pessoal. Essa decisão foi ratificada na Assembleia-Geral realizada em 20/02/2024, com as seguintes condições:
- Gerente: € 30.000 (o gerente é sócio maioritário da sociedade e aufere um rendimento médio mensal de € 3.200);
- Ao pessoal: € 50.000.
Pese, embora para o pessoal não existam limitações, desde que pagas ou colocadas à disposição até ao final do exercício seguinte a que respeitam. Contudo, os gastos relativos à participação nos lucros por membros de órgãos sociais, quando os beneficiários sejam titulares, direta ou indiretamente, de partes representativas de, pelo menos, 1% do capital social, são de acrescer ao resultado tributável na parte em que exceda o dobro da remuneração média mensal auferida no período de tributação a que respeita o resultado em que participam.
Assim, seria de acrescer € 23.600, no campo [735] do quadro 7 da modelo 22, correspondente ao seguinte cálculo: 30.000 – (2 x 3.200).
Consequências do não pagamento no prazo estipulado
No caso de a empresa não pagar as quantias no prazo estipulado, deverá adicionar ao valor do IRC relativamente ao período de tributação seguinte a quantia que deixou de ser liquidada no campo [363] do quadro 10 da Modelo 22.
Adicionalmente, devem ser incluídas as seguintes deduções, se aplicável:
- Derrama Estadual;
- Juros compensatórios correspondentes (campo [366] do quadro 10);
- Derrama Municipal (campo [364] do quadro 10).
Não sujeição à taxa contributiva
O Código Contributivo considera como integrante da base de incidência contributiva os montantes atribuídos aos trabalhadores a título de participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador não esteja assegurada pelo contrato uma remuneração certa, variável ou mista adequada ao seu trabalho, uma vez que se consideram remunerações as prestações pecuniárias ou em espécie que nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos são devidas pelas entidades empregadoras aos trabalhadores como contrapartida do seu trabalho. Contudo, esta disposição só entra em vigor quando for regulamentada, o que ainda não aconteceu.
Sujeição a IRS
As gratificações de balanço são tributadas em sede de IRS e sujeita a retenção na fonte. Não tem aplicação a taxa especial de 10%, uma vez que se trata da entidade patronal quem atribui tais gratificações.
No caso da medida excecional prevista no OE 2024, e na falta de regulamentação, veio a administração tributária divulgar o seu entendimento sobre dúvidas na aplicação desta medida excecional e transitória, embora extemporaneamente, uma vez que o Ofício Circulado foi publicado apenas no final de agosto deste ano, e por isso muito para além da data máxima prevista para a realização das Assembleias Gerais das sociedades, até 31 de março.
Resumidamente:
- Podem ser incluídas gratificações relativas a resultados de 2023, ou anteriores, desde que decididas na Assembleia Geral em 2024.
- Encontram-se excluídos os órgãos sociais (Ex.: gerentes);
- Tem de abranger todos os trabalhadores (mesmo se algum dos trabalhadores, no ano de 2024, não tenha sido aumentado por faltas, processos disciplinares, mau desempenho ou outros motivos);
- São consideradas para efeitos da determinação do escalão de tributação, ainda que não sejam tributadas (vão ser consideradas para determinação da taxa de retenção na fonte em 2024 e para a tributação anual, dos restantes rendimentos, a declarar em 2025);
- A verificação dos 5% de aumento será realizada por comparação das remunerações em dezembro de 2024, face a dezembro de 2023 (portanto só no final do ano se poderá verificar a isenção).
A correta contabilização das gratificações também reflete-se no preenchimento da declaração mensal de remunerações (DMR), onde foi especialmente criado o código A82 (rendimentos isentos), para indicar os rendimentos pagos por esta disposição excecional.
Nota do editor: Este artigo foi publicado anteriormente e atualizado para 2024 devido à sua relevância.