Estratégia, Legal e Processos

Contabilização da liquidação de sociedades: fim do ciclo

Como tudo na vida, as sociedades comerciais também fecham o seu ciclo.

Em 2021, os dados mais recentes disponíveis[1], por cada 100 empresas existentes, foram criadas 13,8%, encerraram 11,4%, 75,7% sobrevivem no 1.º ano, e somente 57,3% sobrevivem no 2.º ano[2]. Ou seja, 42,7% das empresas criadas não sobreviveram mais de 2 anos.

Daí a naturalidade do fim de ciclo e a necessidade de se proceder, contabilisticamente, ao encerramento das sociedades.

Talvez se existissem implementados mecanismos mais exigentes à nomeação de gerentes ou administradores das sociedades, como por exemplo e exigência de uma formação inicial adequada ao ambiente dos negócios, incluindo noções gerais de gestão, marketing, contabilidade, fiscalidade, logística e os vários ramos do direito, alguns negócios poderiam ser mais sustentáveis, enquanto outros nem sequer iniciavam atividade por noção de falta de viabilidade, atenuando os efeitos negativos que as falências podem trazer para os diversos mercados e motivando uma mais sã concorrência, evitando prejuízos para todos os interessados (estado, empregados, fornecedores, sócios, financiadores, etc,).

O final da vida das empresas apresenta três fases autónomas previstas no Código das Sociedades Comerciais (CSC) que podem ser desfasadas no tempo ou coincidentes na mesma data, em Assembleia da Sociedade: a decisão de dissolução[3], o encerramento da liquidação e a partilha[4].

Dissolução de sociedades

A decisão da dissolução da sociedade, quando coincidente com o encerramento da liquidação, implica um único momento de prestação de contas[5], antes da partilha, e sujeita a depósito.

Caso contrário, após a decisão de dissolução, a empresa entra em processo de liquidação e desenvolve os atos necessários ao encerramento da liquidação, nomeadamente a realização dos ativos e pagamento de passivos, até que se decida o encerramento da liquidação. Neste caso, a empresa tem de aprovar contas à data da dissolução, e depois com o encerramento da liquidação, para efeitos de partilha.

A dissolução corresponde á decisão de não continuação da atividade, em definitivo, da sociedade(pode reverter-se a decisão, no entretanto), e apresenta as seguintes modalidades:

a) Imediata[6]:

  • Pelo decurso do prazo fixado no contrato;
  • Por deliberação dos sócios;
  • Pela realização completa do objeto contratual;
  • Pelo ilicitude superveniente do objeto contratual;
  • Pela declaração de insolvência da sociedade.

b) Administrativa ou por deliberação dos sócios [7]:

  • Pode ser requerida a dissolução administrativa da sociedade com fundamento em facto previsto na lei ou no contrato e quando:
    • Por período superior a um ano, o número de sócios for inferior ao mínimo exigido por lei, exceto se um dos sócios for uma pessoa coletiva pública ou entidade a ela equiparada por lei para esse efeito;
    • A atividade que constitui o objeto contratual se torne de facto impossível;
    • A sociedade não tenha exercido qualquer atividade durante dois anos consecutivos;
    • A sociedade exerça de facto uma atividade não compreendia no objeto contratual.

c) Oficiosa[8]:

  • O serviço de registo competente deve instaurar oficiosamente o procedimento administrativo de dissolução, caso não tenha sido ainda iniciado pelos interessados, quando:
    • Durante dois anos consecutivos, a sociedade não tenha procedido ao depósito dos documentos de prestação de contas e a administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a omissão de entrega da declaração fiscal de rendimentos pelo mesmo período;
    • A administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a ausência de atividade efetiva sociedade, verificada nos termos previstos na legislação tributária;
    • A administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a declaração oficiosa da cessação de atividade da sociedade, nos termos previstos na legislação tributária.

Fase da liquidação

Em regra, a sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, devendo ser aditada a menção «sociedade em liquidação» ou «em liquidação».

A liquidação deve estar encerrada e a partilha aprovada no prazo de dois anos a contar da data em que a sociedade se considere dissolvida, e só pode ser prorrogado por deliberação dos sócios e por período não superior a um ano.

Operações contabilísticas de empresas em liquidação

Nesta fase realizam-se as operações de liquidação e apuramento dos resultados do período de liquidação, que podem consistir em:

  • Venda dos bens da sociedade (inventários, ativos fixos, investimentos, …);
  • Recebimento ou extinção de dívidas a receber (Clientes, outros devedores, …);
  • Liquidação das responsabilidades (Fornecedores, outros credores, financiamentos, estado, …);
  • Registo de honorários e pagamento ao liquidatário e demais encargos;
  • Apuramento dos resultados das operações de liquidação.

Com encerramento da liquidação, o Balanço deve apresentar os saldos das contas sobre as quais os sócios devem deliberar para efeitos de partilha e a demonstração de resultados o efeito da liquidação. Nesta fase é apresentada a última declaração modelo 22 e a correspondente IES, para efeitos de depósito.

Fase da partilha

Após a aprovação das contas de liquidação, decide-se a partilha[9], que pode ser feita em espécie: “O ativo restante, depois de satisfeitos ou acautelados, nos termos do artigo 154.º, os direitos dos credores da sociedade, pode ser partilhado em espécie, se assim estiver previsto no contrato ou se os sócios unanimemente o deliberarem”, e com a seguinte ordem:

  1. O ativo restante é destinado em primeiro lugar ao reembolso do montante das entradas efetivamente realizadas; esse montante é a fração de capital correspondente a cada sócio, sem prejuízo do que dispuser o contrato para o caso de os bens com que o sócio realizou a entrada terem valor superior àquela fração nominal;
  2. Se não puder ser feito o reembolso integral, o ativo existente é distribuído pelos sócios, por forma que a diferença para menos recaia em cada um deles na proporção da parte que lhe competir nas perdas da sociedade; para esse efeito, haverá que ter em conta a parte das entradas devida pelos sócios;
  3. Se depois de feito o reembolso integral se registar saldo, este deve ser repartido na proporção aplicável à distribuição de lucros.

Contabilização apropriada

A contabilidade da sociedade deverá registar os diversos factos económicos e financeiros pela seguinte ordem:

  1. Pela devolução aos sócios das prestações suplementares – se existirem (D 53 : C 26);
  2. Pela imputação aos sócios dos resultados da liquidação (D/C 818 : C/D 26);
  3. Pela imputação aos sócios a decisão da partilha:
    a. Devolução do capital social (D 51: C 26);
    b. Pela imputação das eventuais reservas (D 55 : C 26);
    c. Pela afetação dos eventuais resultados transitados (D/C 56 : C/D 26).
  4. Pelo pagamento aos sócios de qualquer quantia que seja de liquidar, deduzido das eventuais retenções na fonte – se aplicável (C 12  e C 24 : D 26) ou pela entrega em espécie (D26 : C da conta de ativo correspondente);
  5. Pelo pagamento ao Estado das respetivas retenções na fonte – caso seja aplicável (D 24 : C 12).

Após a aprovação da partilha, deve a contabilidade saldar todas as contas, logo que seja registada a extinção da sociedade na respetiva conservatória do registo comercial[10]. Neste caso, o Balanço apresenta-se a zero.

Aspetos fiscais

No que respeita ao valor dos bens “Na determinação do resultado de liquidação, havendo partilha dos bens patrimoniais pelos sócios, considera-se como valor de realização daqueles o respetivo valor de mercado[11]”.

O resultado da partilha é englobado para efeitos de tributação dos sócios[12], no período de tributação em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do valor de aquisição das correspondentes partes sociais e de outros instrumentos de capital próprio e considerado, na esfera pessoal do sócio, como como mais-valia (Categoria G[13] – para pessoas singulares), ou se o sócio for uma sociedade, pode ainda vir a beneficiar de isenção de tributação em sede de IRC[14] ou de 50%[15] de for pessoal singular.


[1] Fontes/Entidades: INE, PORDATA, Última atualização: 2023-03-08

[2] https://www.pordata.pt/db/portugal/ambiente+de+consulta/tabela

[3] Artigos 141.º a 145.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)

[4] Artigos 146.º a 165.º do CSC

[5] Artigo 157.º do CSC

[6] Artigo 141.º, do CSC

[7] Artigo 142.º, do CSC

[8] Artigo 143.º, do CSC

[9] Artigo 156.º, do CSC

[10] Artigo 160.º, do CSC

[11] Artigo 80.º, do CIRC

[12] Artigo 81.º, do CIRC

[13] Artigo 9.º, n.º 1 alínea a) e artigo 10.º, n.º 1, alínea b), subalínea 3), ambos do CIRS

[14] Artigo 51.º C, do CIRC

[15] Artigo 43.º n.º 3, do CIRS