Asserções da contabilidade: os procedimentos necessários para o encerramento contabilístico anual.
O encerramento contabilístico anual resulta de uma obrigação comercial estabelecida pelo Código Comercial[1] “a dar balanço, e a prestar contas”, devendo ser cumprida pelos membros da administração[2] ao “elaborar e submeter aos órgãos competentes da sociedade o relatório de gestão[3], incluindo a demonstração não financeira[4] ou o relatório separado com essa informação, as contas do exercício, bem como os demais documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos a cada exercício anual”. Os documentos têm de ser presentes à Assembleia, para deliberação, “no prazo de três meses a contar da data do encerramento de cada exercício anual, ou no prazo de cinco meses a contar da mesma data quando se trate de sociedades que devam apresentar contas consolidadas ou que apliquem o método da equivalência patrimonial[5]”.
Os pressupostos da contabilidade
O processo de encerramento contabilístico deve atender ao cumprimento dos pressupostos subjacentes como o regime de acréscimo[6], através do qual “os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem” e a continuidade[7] em que “as demonstrações financeiras são normalmente preparadas no pressuposto de que uma entidade é uma entidade em continuidade e de que continuará a operar no futuro previsível. Daqui que seja assumido que a entidade não tem nem a intenção nem a necessidade de liquidar ou de reduzir drasticamente o nível das suas operações; se existir tal intenção ou necessidade, as demonstrações financeiras podem ter que ser preparadas segundo um regime diferente e, se assim for, o regime usado deve ser divulgado”. Sobre este tema cumpre dar especial enfoque às recomendações técnicas n.º 1 e 2 (revistas)[8], emitidas e publicadas pela Comissão de Normalização Contabilística (CNC) e disponível no respetivo sítio na internet[9].
As asserções da contabilidade
Os utentes das demonstrações financeiras, que são diversos[10], devem poder assumir que, ao analisarem as demonstrações financeiras, estas correspondem com as seguintes asserções:
- Existência – um ativo ou um passivo existe numa determinada data; neste âmbito é de destacar a necessidade da confirmação física através das respetivas contagens como por exemplo o dinheiro em caixa, os inventários em armazém ou os elementos pertencentes ao ativo fixo tangível;
- Direitos e obrigações – um ativo ou um passivo respeita à entidade numa determinada data; estes são verificáveis através dos contratos celebrados, como é o caso de clientes, fornecedores, outros devedores e credores, financiamentos, impostos e taxas, ou, nalguns casos, através da consulta dos respetivos registos oficiais como por exemplo as conservatórias do registo predial, automóvel ou comercial, ou através do sítio das finanças;
- Ocorrência – uma transação ou um acontecimento realizou-se com a entidade e teve lugar no período; deve ser assegurada pela confirmação da realidade da transação com a respetiva entidade e o devido “corte” de operações;
- Integralidade – não há ativos, passivos, transações ou acontecimentos por registar, ou elementos por divulgar; que deve ser garantida através de declaração escrita pela gerência/administração da sociedade quanto aos fatos relatados, mas também quanto às contingências;
- Mensuração – um ativo ou um passivo é registado e mantido por uma quantia apropriada, no período respetivo; através das técnicas apropriadas e de acordo com a as políticas contabilísticas escolhidas e aplicadas;
- Apresentação e divulgação – um elemento é divulgado, classificado e descrito de acordo com a estrutura conceptual de relato financeiro aplicável; nomeadamente através do anexo ou da informação adicional ao balanço, no caso das microentidades.
É no âmbito da verificação destas asserções que o Contabilista deve elaborar o conjunto de procedimentos (programas de trabalho) que visem a preparação da informação necessária para a apresentação das demonstrações financeiras ao respetivo órgão de administração, para a finalidade da sua aprovação.
Verificação da aplicação das normas contabilísticas
É atribuição[11] da Comissão de Normalização Contabilística (CNC), a verificação da aplicação das normas contabilísticas, tendo esta aprovado e publicado, em 27 de janeiro de 2016, o respetivo regulamento[12].
O não cumprimento das normas contabilísticas pode resultar na aplicação de coimas[13] entre € 1.500 e € 30.000, por competência atribuída ao Presidente da CNC.
Contudo, supomos que por falta de meios adequados ao propósito, não temos conhecimento de este regulamento ter tido alguma aplicação prática.
A apresentação das demonstrações financeiras e o depósito legal
No que respeita à estrutura e conteúdo das demonstrações financeiras a apresentar às Assembleias gerais, estas devem respeitar o previsto na respetiva normalização contabilística[14], de acordo com a tipologia de entidade e regime contabilístico aplicável, e depositadas na Conservatória do Registo Comercial[15].
Recorde-se a este propósito que “o registo da prestação de contas consiste no depósito, por transmissão eletrónica de dados e de acordo com os modelos oficiais previstos em legislação especial, da informação constante dos seguintes documentos[16]:
a) Ata de aprovação das contas do exercício e da aplicação dos resultados;
b) Balanço, demonstração de resultados e anexo ao balanço e demonstração de resultados;
c) Demonstração dos resultados;
d) Demonstração das alterações no capital próprio/património líquido;
e) Demonstração de fluxos de caixa;
f) Anexo às demonstrações financeiras;
g) Certificação legal das contas;
h) Parecer do órgão de fiscalização, quando exista.”
Isto é, os modelos oficiais devem estar em conformidade com a estrutura da informação prevista na normalização contabilística para a apresentação e divulgação das demonstrações financeiras.
Após o respetivo depósito, qualquer utente interessado pode adquirir o acesso às mesmas[17].
[1] Art. 18.º do Código Comercial
[2] Art. 65.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais
[3] As microentidades podem estar dispensadas nos termos do artigo 66.º, n.º 6, do CSC
[4] Artigo 66.º-B, n.º 1 “As grandes empresas que sejam entidades de interesse público, que à data de encerramento do seu balanço excedam um número médio de 500 trabalhadores durante o exercício anual”
[5] Art. 65.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais
[6] § 22 da Estrutura conceptual, publicada pelo Aviso n.º 8254/2015
[7] § 23 da Estrutura conceptual, publicada pelo Aviso n.º 8254/2015
[8] Tratamento dos impactos da COVID-19 no relato financeiro das empresas e entidades em SNC (aprovada em 19 de fevereiro de 2021)
[9] http://www.cnc.min-financas.pt/COVID19_CNCE.html
[10] §9 do Aviso n.º 8254/2015
[11] Art. 4.º, n.º 2 do DL n.º 134/2012, 29 de junho
[12] http://www.cnc.min-financas.pt/regulamento.html
[13] Art. 14.º do DL 158/2009, de 13 de julho, alterado pelo DL 98/2015, de 2 de junho
[14] Portaria n.º 220/2015 de 24 de julho
[15] Alínea n) do n.º 1 do art. 3.º do Código do Registo Comercial
[16] Art. 42.º do Código do Registo Comercial
[17] https://eportugal.gov.pt/CVE/IES/ElaborarPedido.aspx