A mensuração dos ativos no relato financeiro para 2021
Aproxima-se o final do ano e assim, mais um período de encerramento contabilístico, em regra, num ano totalmente afetado pelos efeitos da pandemia provocada pelo vírus COVID-19.
Se o ano de 2020 já foi fortemente afetado, com efeitos no encerramento exercício desse ano, o ano de 2021 aumenta os riscos relacionados com a recuperabilidade dos ativos e a probabilidade de surgirem novos passivos ou contingências.
Assim, ao prepararmos o encerramento do exercício de 2021, há que atender ao disposto na estrutura conceptual[1], considerando muito especialmente o período em que vivemos, quanto aos pressupostos subjacentes à preparação e apresentação das demonstrações financeiras, como a continuidade e o regime de acréscimo, bem como quanto às características qualitativas, essenciais para o uso da contabilidade como instrumento de avaliação dos riscos e tomada de decisões económicas e financeiras como a relevância, a fiabilidade, a representação fidedigna, a prudência, a plenitude e a comparabilidade.
Estes temas assumem especial relevância no processo de encerramento do exercício económico, por se tratar de informações que não estão, normalmente, disponíveis para os Contabilistas, exigindo uma pesquisa e indagação adicional ao processo documental e de registo.
Conceitos de capital e manutenção de capital
Geralmente, as entidades adotam um conceito financeiro de capital, em alternativa ao conceito de manutenção do capital físico, que requer a adoção da base de mensuração pelo custo corrente na preparação das suas demonstrações financeiras. Por este conceito, um lucro só é obtido se a quantia financeira (ou dinheiro) dos ativos líquidos (diferença entre o ativo e o passivo) no final do período exceder a quantia financeira (ou dinheiro) dos ativos líquidos do início do período, depois de excluir quaisquer distribuições aos, e contribuições dos proprietários durante o período. A manutenção do capital financeiro pode ser mensurada quer em unidades monetárias nominais quer em unidades de poder de compra constante[2].
Desta forma, a determinação das quantias registas nos ativos, e nos passivos, assume extrema relevância para manutenção do capital financeiro.
A continuidade
As demonstrações financeiras são normalmente preparadas no pressuposto de que uma entidade é uma entidade em continuidade e de que continuará a operar no futuro previsível. Daqui que seja assumido que a entidade não tem nem a intenção nem a necessidade de liquidar ou de reduzir drasticamente o nível das suas operações; se existir tal intenção ou necessidade, as demonstrações financeiras podem ter que ser preparadas segundo um regime diferente e, se assim for, o regime usado deve ser divulgado.
Ao avaliar se o pressuposto da entidade em continuidade é apropriado, o órgão de gestão toma em consideração toda a informação disponível sobre o futuro, que é considerado pelo menos, mas sem limitação, doze meses a partir da data do balanço[3].
O tratamento dos ativos
Ainda que a continuidade da entidade não esteja em causa, uma entidade deve divulgar, no anexo (ou na informação adicional ao Balanço, no caso das microentidades), informação acerca dos principais pressupostos relativos ao futuro, e outras principais fontes da incerteza das estimativas à data do balanço, que tenham um risco significativo de provocar um ajustamento material nas quantias escrituradas de ativos e passivos durante o período contabilístico seguinte.
As rubricas reconhecidas nas demonstrações financeiras são mensuradas inicialmente ao custo de aquisição ou ao custo de produção, exceto se uma NCRF dispuser diferentemente2.
Na mensuração subsequente é necessário assegurar que os seus ativos sejam escriturados por não mais do que a sua quantia recuperável.
Um ativo é escriturado por mais do que a sua quantia recuperável se a sua quantia escriturada exceder a quantia a ser recuperada através do uso ou venda do ativo. Se este for o caso, o ativo é descrito como estando com imparidade e a NCRF 12 – Imparidade de ativos exige que a entidade reconheça uma perda por imparidade. Há ainda a considerar os efeitos de o valor realizável líquido declinar abaixo do custo nos inventários (NCRF 18), ou nos ativos provenientes de contratos de construção (NCRF 19), nos Impostos Diferidos (NCRF 25), atendendo especialmente à recuperabilidade dos prejuízos, nos instrumentos financeiros (NCRF 27), ou nas propriedades de investimento mensuradas ao justo valor (NCRF 11).
No que respeita aos ativos fixos tangíveis, coloca-se o caso da inoperacionalidade poder suspender o registo das respetivas depreciações. Contudo, tal como preconizado na NCRF 7, “a depreciação não cessa quando o ativo se tornar ocioso ou for retirado do uso a não ser que o ativo esteja totalmente depreciado (§55)”. Este entendimento também já foi objeto de uma recomendação[4] divulgada pela Comissão de Normalização Contabilística[5].
O caso das dívidas comerciais
Um assunto recorrente no encerramento do exercício é o caso das dívidas a receber comerciais.
Independentemente dos requisitos fiscais aplicáveis ao reconhecimento, para determinação do lucro tributável, das perdas em dívidas de cobrança duvidosa[6], e ainda que se trate de uma microentidade[7], “para determinar se um ativo financeiro está ou não com imparidade, uma entidade deve rever a sua quantia escriturada, bem como determinar a sua quantia recuperável e reconhecer (ou reverter o reconhecimento de) uma perda por imparidade, designadamente em contas a receber (por exemplo, clientes)[8]”.
“A evidência objetiva de que um ativo financeiro pode estar em imparidade é usualmente mostrada, por exemplo, pelas dificuldades financeiras ou quebra contratual do devedor ou do emitente, ou por cotação oficial inferior ao custo de aquisição[9].”
Assim, no processo de encerramento contabilístico, as dívidas a receber de clientes devem ser avaliadas quanto à sua recuperabilidade, atendendo a fatores de risco como:
- Histórico da relação com o cliente;
- Incumprimento sistemático nos prazos de pagamento acordados;
- Renegociação, com prazos mais alargados, das condições de pagamento, sem pagamento parcial;
- Quebra significativa de vendas;
- Identificação de incumprimento de outras dívidas comerciais, de impostos ou contribuições, ao pessoal (salários em atraso), ou de financiamentos com instituições de crédito;
- Tipologia de clientes do devedor, com base na análise de risco sistémico;
- Intenção anunciada do devedor em entrar num processo de falência, insolvência ou simples abandono da atividade.
São aspetos que, a serem considerados no processo de encerramento do exercício económico, poderão fazer toda a diferença da credibilidade do relato financeiro de uma entidade, na sua relação com os investidores, os financiadores ou os credores. E nos negócios, a credibilidade ainda vai fazendo a diferença.
[1] Aviso n.º 8254/2015, de 29 de julho de 2015
[2] § 100 a 107 da Estrutura Conceptual
[3] Bases para a apresentação das demonstrações financeiras
[4] Recomendação 8, para o Setor Empresarial, relativa ao tratamento contabilístico das depreciações/amortizações dos ativos fixos tangíveis e dos ativos intangíveis no âmbito da pandemia de COVID-19
[5] http://www.cnc.min-financas.pt/
[6] Artigos 28.º – A e 28.º – B do CIRC
[7] Conforme disposto no n.º 1 do artigo 9.º do DL 158/2009, republicado pelo DL 98/2015, de 2 de junho
[8] § 17.6 da NC-ME publicada pelo Aviso n.º 8255/2015, de 29 de julho
[9] § 17.7 da NC-ME publicada pelo Aviso n.º 8255/2015, de 29 de julho