Estratégia, Legal e Processos

A liderar também se aprende

Uma pessoa nasce líder ou torna-se líder? Há teorias para todos os gostos. No entanto, é evidente que não é a mesma coisa liderar aqui e agora do que foi fazê-lo no século passado, porque as características mais valorizadas num líder hoje não são as mesmas que se apreciavam antigamente.

Há cinco características básicas que definem a liderança de hoje: a humildade, o saber ouvir, o desaprender, o racionalismo e o planeamento. Cinco características que, embora possam vir “de série” em determinados ADN, podem ser aprendidas. Devem ser aprendidas.

Humildade

“Como explica o facto desta zona do país ter uma incidência do vírus cinco vezes superior ao de outra zona?”, perguntou o jornalista. “Para ser sincero, não sei”, respondeu a política.

Poderia citar vários estudos que o comprovam, mas a síntese da primeira ideia que quero partilhar é que a maior parte dos indivíduos que são competentes mostram autocrítica e insegurança sobre si, especialmente no que diz respeito ao seu conhecimento especializado. No entanto, aqueles que são menos competentes são, paradoxalmente, aqueles que mais alta consideração têm sobre si e sobre os juízos que emitem.

Sempre achei curioso que as pessoas mais preparadas são também as que mais duvidam. De igual forma que sempre me envergonhou ouvir as certezas das pessoas menos preparadas. As afirmações contundentes daqueles que hoje lideram a política ou as empresas, mais do que confiança, metem medo.

Portanto, a humildade sincera para reconhecer a própria ignorância é uma das características que mais conforta, que melhor representa e, em consequência, que mais confiança irradia. É uma característica da liderança imprescindível nestes momentos de incerteza e crise sem precedentes.

Saber ouvir

Imediatamente depois da dúvida ou do reconhecimento da ignorância sobre um tema, vem o saber ouvir. Ouvir é importante em termos de liderança porque quem lidera a organização aprende com ela. E não só. Ouvir é importante principalmente porque a pessoa que se sente ouvida valoriza mais a liderança da pessoa que tem à sua frente. Em primeiro lugar, pela atitude em si. E, em segundo lugar, porque quem se sente ouvido sabe que o líder também perguntará aos especialistas sobre o assunto que este desconhece, implicando uma maior garantia da correta tomada de decisões.

Desaprender

O conhecimento de uma organização constrói-se a partir do saber escutar e do intercâmbio de opiniões entre diferentes disciplinas ou entre os diferentes departamentos. Mas para assumir o conhecimento há uma condição sine qua non: desaprender. Custa-nos muito desaprender o que sabemos. Mais do que aprender algo novo.

Apesar das ações contra a revolução industrial e das previsões apocalípticas sobre o futuro do emprego que liderou o movimento ludita no final do século XIX, verificou-se que as máquinas não destruíram mais emprego do que criaram. Pelo contrário. As máquinas competiam com a nossa força, mas necessitavam sempre de um cérebro. De modo que naquela luta saímos vencedores. Sim, as pessoas que aceitaram uma posição melhor foram as que conseguiram desaprender o velho e aprender o novo no menor espaço de tempo.

A inacabada revolução tecnológica na qual estamos mergulhados hoje tem algumas características diferentes daquela que vivemos há século e meio. Começa-se a vislumbrar que as máquinas vão competir com o nosso cérebro. E neste momento, ainda não se sabe se o homo sapiens sairá vencedor, como Noah Harari explica magistralmente. Isso sim, diria que a tese predominante indica que surgirão novas formas de trabalho e consolidar-se-ão algumas das já existentes, de modo que a Humanidade continuará na sua linha de progresso. A ver vamos.

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De qualquer forma, “as pessoas não são um produto cuja marca não importa, as pessoas não são uma commodity”, nas palavras de Xavier Marcet. De modo que, quando todas as organizações (empresas, partidos ou administrações) disponham do mesmo nível de acesso às tecnologias que se avizinham, a diferença continuará a ser marcada pelas pessoas. E não é preciso ser muito inteligente para saber que, tal como na revolução industrial, as pessoas que farão progredir as suas organizações serão aquelas que tiverem sido capazes de desaprender o que aprenderam mais rapidamente, libertando espaço no seu disco rígido para absorver tudo o que nos falta aprender. E esta é outro dos elementos fundamentais da liderança hoje.

Racionalismo

O storytelling e as novas formas de comunicação (instantâneas) empurram-nos para a venda (de um produto, de um serviço, de uma opção política, …) apelando aos sentimentos do nosso interlocutor. Evidentemente, não vou mostrar ao leitor a potência de qualquer ação direcionada para o nosso cérebro límbico. Mas a solidez da nossa proposta é construída essencialmente pela parte racional, empírica, demonstrável da mesma. Reconhecemos muito a liderança do bom vendedor, mas esta cai por terra se descobrirmos que por trás de um discurso bem construído apenas há fumo.

O mau líder ergue-se exaltando uma parte (da população, da organização) e desacreditando a outra. Se não há outros para combater, não há forma deste tipo de líder sobreviver. Como já sabemos que a nossa razão não é a única, mas que quase todo o mundo costuma ter parte de razão, o mau líder não pode argumentar racionalmente, pelo que atira-se permanentemente pelas escorregadias pistas do discurso emocional

Não há dúvida que este tipo de “líderes” têm as “suas” fileiras bem apertadas. Também não há dúvida que este tipo de “líderes” acaba por criar uma fratura tão imensa como difícil de recompor. Portanto, as consequências (para a população, para a organização) são imprevisíveis.

O bom líder também apela aos sentimentos, não há outra maneira de “agarrar” a audiência. Mas o seu discurso e, sobretudo, as suas ações devem ter por objetivo a coesão da sociedade ou da organização que tem a seu cargo. Esta é a tarefa principal do bom líder. Por conseguinte, não há outra alternativa senão a utilização de argumentos racionais, tendo em conta as três características acima referidas.

Planeamento

Num cenário tão incerto como o que vivemos, muitas vezes o processo dúvida-escuta-desaprendizagem-racionalismo não poderá prolongar-se a não ser por umas horas. Pode ser necessária uma decisão imediata para antecipar uma previsão ou, o que é mais comum hoje, para reagir a um acontecimento completamente imprevisto. Portanto, precisamos de pessoas que liderem, tomando decisões rápidas, ágeis.

Mas precisamente no meio da incerteza em que nos movemos, longe de algumas vozes que defendem o contrário, é necessário dispor de um plano: um projeto sólido, com objetivos operacionais, ações, orçamento e marcos temporais. Aqueles que dispunham dele antes, continuam a surfar (não sem dificuldades) sobre o tsumani na forma de vírus que nos inundou. As tomadas de decisão só podem ser rápidas se apoiadas numa ideia prévia clara, num plano. E quando os seus colaboradores, os agentes envolvidos ou os eleitores percebem esse plano, respeitam-no mais do que se o considerarem guiado pela improvisação impulsiva.

Em resumo, se quer que o acompanhem, parece-me impossível nos dias de hoje liderar sem humildade, sem ouvir, sem desaprender, sem racionalismo e sem planeamento. A pessoa líder não é seguida pelo número de ordens que dá ou por resolver as discussões fazendo (maus) exercícios de autoridade. O líder é seguido pelas coisas que faz e pela forma como as faz, à margem o cargo que apresenta o seu cartão-de-visita.