O que vai mudar com o fim dos third party data?
Com o desenvolvimento da IA e o crescimento estrondoso da obtenção e utilização de dados, disparou o debate sobre a proteção dos utilizadores e a privacidade digital, assim como a consciência dos consumidores sobre o que está em causa.
Quando falamos da imensidão de dados que são recolhidos todos os dias em todo o mundo, por todo o tipo de organizações, sabemos que tal é possível sobretudo graças às cookies dos sites. E que são estes dados o grande ‘combustível’, por exemplo, da Inteligência Artificial (IA).
Menos evidente é talvez que este enorme volume de data se pode dividir em zero, first, second e third party dataconsoante a forma como é obtido. Para além das inúmeras vantagens que a recolha desta informação pode trazer para as organizações, também as pessoas ganham no acesso a um serviço e uma experiência de consumo desejavelmente de maior qualidade. O reverso da medalha? As preocupações crescentes com o tema da privacidade.
A necessidade de conciliar estas duas necessidades dos consumidores – conveniência e segurança – está a levar a alterações nas regras de recolha de dados, com um enorme travão à obtenção de third party data. Esta mudança promete ser um grande desafio para as empresas e outras instituições, numa altura em que os dados se tornaram numa poderosa ferramenta de negócio.
Com o desenvolvimento da IA e o crescimento estrondoso da obtenção e utilização de dados, disparou o debate sobre a proteção dos utilizadores e a privacidade digital, assim como a consciência dos consumidores sobre o que está em causa, e as autoridades de diferentes partes do mundo têm vindo a definir regras para o uso dessas informações. Um ‘apertar do cerco’ que está a ter repercussões. Uma das mudanças com maior impacto dar-se-á em breve: a Google anunciou em 2020 que o Chrome (browser usado por cerca de 70% dos computadores em todo o mundo) acabará com cookies de terceiros em 2024. Outros, como o Safari e o Firefox já deram esse passo.
Porquê o foco nos third party data?
A resposta está na forma como estes dados são obtidos. Importa explicar, primeiro, como são angariados os demais dados.
Zero party data são dados cuja propriedade é partilhada pelos clientes, de forma proativa e intencional, com as empresas para que as marcas possam conceber experiências de consumo mais personalizadas. Podem incluir dados como hábitos de consumo, intenções de compra e outras preferências e necessidades.
First party data são dados dos clientes recolhidos pelas empresas que resultam das transações e interações que fazem com os mesmos. São informações consentidas pelo utilizador e podem ter origem em várias fontes, como sites ou apps, entre outros.
Second party data são first party data de outra empresa ou organização que podem ser facilmente recolhidos para aumentar os conjuntos de dados internos de uma empresa. Os dados podem vir de parceiros ou outras entidades comerciais de uma mesma cadeia de distribuição, por exemplo.
Já os third party data são conjuntos de dados obtidos e geridos por organizações que não interagem diretamente com clientes. Podem incluir conjuntos de dados provenientes de diferentes fontes ou até mesmo de fontes governamentais, sem fins lucrativos ou académicas. São, por regra, partilhados ou comprados e vendidos em plataformas de compra e venda ou de troca de dados. E têm sido grandes aliados do marketing das empresas por permitirem obter informações relevantes sobre o comportamento dos utilizadores na Internet, nomeadamente sobre os sites que visitam, com que frequência e em que momentos. Esta informação permite, por exemplo, desenvolver anúncios direcionados, de forma a aumentar a probabilidade de angariar negócio junto do público-alvo identificado.
Pela forma como são obtidos, os third party data são os que maiores ameaças representam à proteção de dados dos consumidores e outros utilizadores da Internet, sendo cada vez mais incompatíveis com as mais exigentes expectativas dos indivíduos em relação à sua privacidade e face às crescentes restrições regulatórias no sentido de limitar a sua utilização.
O objetivo das alterações em curso é que os clientes e outros utilizadores da Internet possam escolher e controlar a forma como os seus dados são tratados, garantindo que a mesma é transparente e fiável. Às empresas cabe ter em atenção estas necessidades e serem prudentes na forma como utilizam dados.
Alguns analistas lembram que não é líquido que o acesso a menores amostras de dados comprometa a inovação e o desenvolvimento, nomeadamente, da IA. Algumas abordagens não requerem grandes conjuntos de dados. Acresce que as organizações podem ter muitos dados em termos de volume, mas de fraca qualidade, comprometendo a precisão dos modelos.
Depois há quem conte com a IA para ajudar a preencher estas limitações no acesso a dados que estão a surgir. Os modelos de IA e machine learning permitem que uma marca possa, por exemplo, utilizar o pouco que sabe de alguns clientes e tentar combiná-los com clientes com perfis semelhantes e, assim, ir preenchendo as lacunas de informação que têm sobre os primeiros. Mas há riscos e a fronteira entre o que é ou não ético ou percebido como invasivo pode ser bastante ténue.
Até porque, com ou sem questões legais que possam surgir, o que está aqui em causa é o que de mais precioso pode existir na relação com os clientes: a confiança.
Aos profissionais de marketing e às empresas caberá, em cada momento, gerir o difícil equilíbrio entre o que são os benefícios para o cliente, os benefícios para a empresa e os riscos que podem advir de uma quebra da tal confiança.
À medida que se caminha para um mundo onde os indivíduos têm um maior controlo sobre a utilização dos seus dados pessoais por terceiros, as empresas devem ajustar as suas políticas de marketing, assim como a própria forma como fazem uso da informação dos clientes. Terão de ser cada vez mais prudentes, conscientes e responsáveis na seleção dos dados de que precisam, na identificação dos benefícios que a sua utilização trará não só à empresa, mas também aos clientes e na maneira como os vão motivar a compartilhar tais informações. Sejam eles zero, first, second ou third party data.
Seja pela ‘morte’ dos third party data ou por outras formas de pressão para maiores limites na recolha de dados, esta é uma realidade a que as organizações (empresariais ou não) terão mesmo de se adaptar. E será desta forma que irão ser capazes de ter a confiança dos seus clientes, sem que tenham de comprometer os seus objetivos de negócio.