Como anda o setor Industrial em Portugal
Uma das mensagens que nos é passada na escola é a de que a concentração das economias no setor terciário(comércio e serviços) é um sinal de desenvolvimento. À medida que as sociedades se desenvolvem o setor primário (agricultura, pescas) vai perdendo peso de forma significativa, seguido, em menor escala, do setor secundário (indústria). É no setor terciário que reside um maior valor acrescentado, o que significa que, quanto maior o seu contributo relativo, mais rica tende a ser uma economia.
Ao mesmo tempo que estes movimentos foram acontecendo, aumentaram também as necessidades de consumo de produtos manufaturados, fruto do crescimento da população mundial, que ocorre em simultâneo com uma grande escassez de mão-de-obra para estas funções e com a falta de matérias-primas resultante da instabilidade geopolítica na Ucrânia e no Médio Oriente.
E sabemos que a indústria permanece uma fonte fundamental de crescimento económico e desenvolvimento dos países, na medida em que é um motor de outros setores produtivos, um grande contribuidor para as exportações de muitos países e fonte de inovação e criatividade. Bruxelas tem chamado a atenção para isso mesmo, lembrando que a prosperidade económica europeia, assim como a sustentabilidade das várias balanças comerciais, está muitíssimo ligada ao crescimento da indústria, nomeadamente por via das exportações.
Se olharmos para Portugal, vemos que a indústria contribui com cerca de 20% para o PIB, muito acima da agricultura, cujo peso é inferior a 3%, mas muito longe dos mais de 70% do comércio e serviços.
A par das grandes economias europeias, como a Alemanha e a França, vários países do Leste, como a Chéquia ou a Polónia, onde a indústria tem um peso assinalável nas suas economias, têm vindo a ultrapassar Portugal no rankingeuropeu em termos de criação de riqueza. Por outro lado, a abertura de fronteiras e a globalização fizeram aumentar a concorrência e com isso as eventuais desvantagens competitivas de parte da indústria portuguesa vêm à tona quando surge o confronto com outros agentes do mercado.
De resto, o setor secundário está mais vulnerável e tem sofrido bastante mais que os restantes com a deslocalização de infraestruturas industriais para países com custos de produção mais baixos.
O fim da diabolização da indústria
O olhar que recai sobre a indústria tem vindo a mudar bastante ao longo do tempo e Portugal é disso exemplo, graças às muitas marcas que se vão afirmando lá fora pela sua sustentabilidade, a par da qualidade.
A indústria quer-se cada vez mais inovadora, inteligente e sustentável, sendo certo que a composição do tecido empresarial faz com que, pelo menos em teoria, se antevejam maiores desafios neste caminho, pelo facto de mais de 90% ser composto por PME. A velha imagem da indústria como setor sobretudo poluente está a mudar, dando lugar a um espaço de modernização e revitalização.
Convém, aliás, não esquecer que é, pelo contrário, na indústria que irão residir as soluções para muitos dos problemas que o mundo enfrenta atualmente, relacionados com as alterações climáticas e a necessidade de encontrar soluções que façam baixar a emissão de gases para a atmosfera. Os exemplos porventura mais evidentes estão relacionados, por exemplo, com as energias renováveis, os transportes e as comunicações.
A crescente digitalização das economias e o desenvolvimento da inteligência artificial está também a fornecer novas ferramentas para que estes vários processos transformativos vão acontecendo.
Como está Portugal
Portugal, à semelhança dos restantes países desenvolvidos, sofreu uma transformação profunda ao longo do tempo, no que à indústria diz respeito. Apesar de ser conhecida a grande dependência do nosso país face a setores como o turismo e construção, a indústria responde por mais de 100 mil milhões de euros, ou seja, os tais cerca de 20% do PIB e emprega mais de 600 mil pessoas.
O embate da abertura do país ao mundo e os efeitos da globalização trouxeram choques negativos conhecidos, como aconteceu nos têxteis ou no calçado, mas obrigaram também a indústria portuguesa a modernizar-se, ao mesmo tempo que também permitiu que muitas empresas se dessem mais a conhecer.
É verdade que têm sido vários os embates ocorridos já no século XXI, como foi o caso da crise financeira e soberana, da pandemia e, mais recentemente, a crise energética e a instabilidade geopolítica mundial. Mas isso não tem impedido Portugal de fazer o seu caminho, aumentar as exportações e ver nascer novos e competitivos agentes de mercado.
Quer isto dizer que tudo tem sido um ‘mar de rosas’? Longe disso.
Os números do Eurostat mais recentes, por exemplo, relativos a setembro de 2023, dão conta de um movimento decrescente na generalidade da União Europeia. Portugal caiu 5,6% em termos homólogos, que comparam com a queda de 6,9% na zona euro e de 6,1% no conjunto dos 27 estados-membros.
Por outro lado, estes momentos de crise, ainda que possam ser algo impiedosos ou mesmo injustos, produzem algum efeito de seleção. E é, de facto, na indústria que isso mais tem acontecido. Calcula-se que, no ano passado, o aumento de insolvências tenha ultrapassado os 19%, o correspondente a cerca de 1801 empresas a entrar em processo de insolvência, sobretudo na indústria. A par das insolvências, também há mais empresas a fechar.
Desafios daqui para a frente
Para além dos constrangimentos já referidos, fruto do difícil e incerto contexto mundial, com vários importantes conflitos em diferentes partes do globo, há outros desafios, mais estruturais, que a indústria tem pela frente. Inevitavelmente, no centro de tudo isto, está a inovação tecnológica e o crescimento do digital.
Independentemente das muitas oportunidades associadas a este novo mundo, um dos grandes dilemas está relacionado com a mão-de-obra: como adaptar as organizações aos novos tempos, sem deixar muita gente para trás e garantir que se tem os recursos humanos adequados e preparados para as novas formas de trabalhar, sobretudo em tudo o que são funções diferenciadas. A formação de pessoal e a retenção de talentos são, por isso, duas das principais questões com que a indústria já está a ter de lidar.
Depois, tanto os trabalhadores como as próprias equipas de gestão têm de aprender cada vez mais a viver na incerteza, o que significa serem cada vez mais flexíveis e capazes de se adaptar a novas circunstâncias, porque é esse o mundo em que habitamos cada vez mais.
Ainda no que diz respeito às novas tecnologias, encontrar o equilíbrio entre abraçar a inovação, nomeadamente no que diz respeito à inteligência artificial, e não tomar decisões precipitadas é outro desafio.
A tudo isto junta-se, claro está, a questão das alterações climáticas e a necessidade de serem encontradas soluções de produção e distribuição que causem o menor impacto ambiental possível.
A conjugação de tudo isto passa provavelmente por usar a tecnologia ao serviço do humano, da criação de riqueza e garantindo o respeito pelo ambiente. Na indústria como noutras áreas, a sustentabilidade será certamente o caminho.